sábado, agosto 20, 2011

Eternamente - é ter na mente - éter na mente

 


    - Posso te servir alguma bebida? 
    Uma loira, muito bonita para o posto que ocupava, questionava-me de trás de um balcão de vidro, já sujo graças aos brutamontes anteriores que haviam entrado naquele lugar repulsivo. Eu - em sã consciência- não entraria hum lugar daquele, mas as condições de meu cérebro não estão me ajudando muito. Meus pés me enganaram e me levaram até onde vinha o cheiro de álcool e tabaco. A moça havia sido cordial, ou apenas servil, mas eu não estava com um humor muito aprumado. "Mal dia, mal dia" como diria Jackie Chan. 
    - Qualquer coisa que tire o amargo gosto da desilusão. 
    Drama, drama, drama. Seria uma noite longa e muito dramática. A moça depositou uma garrafa de cerveja na minha frente. Era uma boa cerveja; lia-se "Heineken" no rótulo. "Deve ser o suficiente para me fazer ficar mais leve", pensei comigo mesma. Levei o gargalo até os lábios pintados com um batom vermelho intenso. Minha língua se amarrou com o gosto amargo do primeiro gole. Nunca gostei de bebidas; as ocasiões em que eram encontrados vestígios de éter no meu sangue eram poucas e normalmente coincidiam com datas comemorativas.
   Bebi toda a cerveja, aproveitando para sentir as sensações de amolecimento a cada novo gole. Meu subconsciente detectou o olhar questionador da loira, como se perguntasse se eu desejava mais alguma coisa.    
   - Ah, sim... Você tem algo um pouco mais forte?  
   - Pelo que eu estou vendo você não está muito feliz. Vou te servir uma dose de vodka. Não adianta beber um copo de água quando se está com fome. Parta logo para o feijão-com-arroz.
   Caramba ela tinha razão! Não iria fazer o menor sentido eu beber quinze cervejas sendo que meu coração precisava de uma concentração maior de álcool.
   - Desce uma dose então. - meio entredentes consegui pronunciar. Era muito fraca pra bebidas, mas naquela noite, eu não sairia do bar se não fosse carregada por alguem, um homem muito forte e que pudesse me deixar louca.
   Ela pegou um copo maior do que o dos outros clientes que bebiam doses como a minha. 
   Aproximou-se por cima da bancada e pronunciou próximo ao meu ouvido: - Só não conte a ninguém que estou te servindo uma dose maior pelo mesmo preço da normal. Eu seria demitida. Corações partidos só se curam com álcool, muito álcool. 
   Um gole. Uma dose. Outra dose... Ouatr dsoe... Minhas palavras já estavam desconexas, as letras não formavam palavras, só combinações inexatas.
   Um rapaz muito bonito sentou em um banco próximo ao meu. Eu estava fora de mim, já não tinha mais juízo pra discernir se era um bom rapaz ou um homem malvado. Confesso que grande parte de mim pedia pelo homem malvado... mas enquanto me aproximava dele, eu pedia pra que fosse um bom rapaz. Não queria ser estuprada e nem nada, só queria uma boa  conversa, um bom ombro e quem sabe uma boa noite depois daquele bar xexelento. 
   - Olá, bela moça. Excedeu-se na Vodka?
   Como é? A intenção era que eu puxasse papo com ele e não o contrário. Vodka? Como ele sabia da Vodka? Será que eu já estava com um mal hálito daqueles?
   - Faça uma lista com as suas perguntas, eu tenho todo o tempo do mundo só pra você. - Enquanto pronunciava isso, tirou uma mecha de cabelo que estava no meu rosto. Percebi que as mãos dele eram bem macias, mãos de alguem que se cuida. Mas o que alguem que tem amor pela vida faria num lugar daquele, naquela altura da madrugada? 
   Respirei fundo. Enumerei as minhas perguntas:
   - Primeiro, quem é você? - a pergunta mais óbvia tinha que vir primeiro, lógico.
   - Essa tinha que ser a primeira pergunta? Prefiro deixar a conversa rolar e depois eu te digo quem sou. Pode ser? - Será que eu tinha alguma escolha? Pelo tom da voz dele não. Resolvi não questionar. 
   - Como você soube que eu estaria aqui esta noite? - a segunda pergunta mais óbvia, já que ele não quis responder a primeira. Alguma base eu tiraria daqui. 
   - Eu estava na cidade e conversei com os teus pais. Eles me disseram o que tinha acontecido contigo, ou melhor, o que o canalha do teu ex-noivo tinha aprontado contigo. Achei que fazer uma visita seria legal. Além do mais, pelo seu estado, você vai precisar de uma ajudinha pra ir para casa, não é?
   - Eu não posso ir pra casa com um desconhecido. - Na verdade, esse tinha sido um blefe pra ver se ele revelaria sua identidade. - O fato de você conhecer meus pais não significa que eu te conheça, e muito menos, confie em você. 
   - Julia, você me conhece. Você confia em mim. - Ele pegou as minhas mãos e levou ao seu rosto. Beijou-as delicadamente, e aquele gesto me trouxe lembranças da minha adolescência. - Você só não está lembrando de mim. Faz muito tempo que a gente não se vê, e muito menos, se fala. Calculo eu que faz uns 8 anos. Eu mudei muito, e você também... Está incrivelmente linda, mais linda do que eu recordava. 
   Oito anos? Lembro e confio? Meus pais? 
   Momento nostálgico se aproximando em três, dois, um.
   - Caio? Isso é alguma brincadeira? - Meu raciocínio estava meio lesado por causa do álcool, mas eu não tinha esquecido do meu primeiro amor. 
   - Finalmente você me reconheceu, Samy. - Caramba, vir atras de mim é uma coisa, lembrar do apelido que tínhamos é outra totalmente diferente.
   Lancei-me sobre ele. Abraços apertados, lágrimas brotando. 
   Fitei o rosto dele, admirando suas feições e tentando desvendar o que se passava em sua mente. Levei minha mão ao rosto dele e fechei os olhos... a textura da pele era a mesma. Uma pele macia, mais macia do que a das mãos. O meu menino estava ali na minha frente, e já não era um menino... era um homem. Um cara muito bonito.
   Uma emoção passava pelos seus olhos, um sentimento tão nostálgico quanto o momento que estávamos vivendo. 
   Ele levantou do banco onde tinha sentado alguns minutos atrás e e colocou do meu lado. Me puxou pelas mãos e me fez ficar de pé. Ele estava muito mais alto que eu, muito mais alto do que da última vez que havíamos nos visto. Passou um dos braços em torno da minha cintura e ergueu o outro até a altura das maças do meu rosto. Acariciou de leve, me fazendo corar. Seus olhos, de um verde profundo, encontraram os meus e os mantiveram. A mão que estava em minha bochecha passou para o meu queixo, alçando o polegar e o indicador, como se fizesse um carinho aproximador. Eu peixei de leve as suas mãos e ele sorriu quando o fiz. Num passe cauteloso, ele puxou meu queixo para próximo dos lábios e o beijou. Subiu um pouco e alcançou meus lábios, que se moveram conforme os movimentos dos seus. 
   Um beijo de saudade, de paixão adormecida, de primeiro amor...
   Demorou até que ficássemos sem fôlego, e quando isso aconteceu, ele me soltou de repente. Senti uma onda de pavor em meu rosto. Será que ele só queria um beijo e já iria embora?
   Ele levou a mão direita ao bolso traseiro de sua calça. Pegou a carteira e deixou algumas notas em cima do balcão. Olhou pra mim com um meio sorriso no rosto. Eu sorri, vendo o que ele tinha feito e entendido o motivo daquilo. 
   Tomou minha mãe e a segurou, com força, como se não quisesse mais perder-me. 
   Caminhamos até seu caro, e entramos, sem pronunciar uma única palavra. Teríamos tempo pra conversar e esse seria um momento de deglutir os acontecimentos da noite. 
   Ele me deixou em casa. Me acompanhou até a soleira e me deu um beijo na testa, cheio de ternura e proteção. 
   - Eu volto amanhã. Vou trazer aspirinas pra curar sua ressaca, está bem, minha vida?
   - Uhum - resposta tola, mas eu estava embriagada. Não pelo álcool, mas por amor ao meu velho amigo. 
   Não haveria porque questionar sua ida. Eu sabia que ele voltaria, sabia que ele estaria na minha porta amanhã. Também sabia que eu não o deixaria mais ir embora da minha vida. 
   

   

Um comentário:

Anônimo disse...

Que lindo!

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